sexta-feira, 9 de janeiro de 2009


O declínio da amizade em tempos sombrios (II):

“...Se amas sem despertar amor; isto é, se teu amor, enquanto amor, não produz amor recíproco [mas sim ódio], se mediante tua exteriorização de vida como homem amante não te convertes a homem amado, teu amor é impotente, uma desgraça”( Marx, K. Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844. São Paulo: Abril Cultural [Os pensadores], 1985: 32).

Mais que sustentada por um bom sentimento, a amizade comporta uma ética. “A amizade é uma forma de amor” (Alberoni, 1993). Não um amor qualquer, mas um processo adulto e sofisticado
, elaborado, revisado e reforçado pelas circunstâncias que a vida nos ensina. É um vínculo que faz bem aos envolvidos, fornecendo o caminho para a sabedoria e a felicidade, tal como pensavam os gregos antigos. Também as recentes pesquisas indicam os que possuem amigos como sendo mais saudáveis, mais felizes ou, pelo menos, levando a vida com melhor sentido.
Sócrates, no seu tempo, já sinalizava para seus discípulos que “os maus não podem amar uns aos outros”
. Esse tipo de vínculo só pode existir entre homens de bem e entre homens dedicados à sabedoria (Cícero (1997: p. 83, 120), que, como sabemos, nada tem a ver com aqueles que são dedicados ao conhecimento científico ou à luta por uma causa política ou ideológica. Em nosso artigo anterior, não somente distinguimos a amizade das pseudo-amizades como sinalizamos que na militância (política, religiosa, etc) não existe espaço para a amizade autêntica.
Para além da questão ética, Descartes
distinguiu a afeição e a devoção da amizade. É afeição – e não amizade – quando apreciamos algo, por exemplo, uma flor, uma ave, um animal. “Apreciamos neles algo menos que a nós mesmos”. Devoção é oposto da afeição, isto é, temos devoção a alguém que ocupa uma posição superior a nós. Temos devoção a nossos pais, a um governante, a um rei, a Jesus Cristo, a um ídolo do momento, a um país, a uma causa. É notória a devoção a ídolos como Elvis Presley ou a Che Guevara, décadas depois de sua morte. E pode parecer ridícula a devoção a falsos ídolos, que logo serão esquecidos na história.
No mundo oriental antigo, a amizade também era muito valorizada. Confúcio (551-479 a.C.) enumerava cinco tipos fundamentais de relações interpessoais: a relação entre imperador e súdito, a relação entre pai e filho, a relação entre homem e mulher, a relação entre irmão maior e irmão menor, e a relação de amizade. As quatro primeiras são hierárquicas, entre superior e inferior. Somente a amizade é relação entre iguais.
Castillo (1999) no livro “Educar para a amizade”, observa que uma das causas da desvalorização da amizade em nossa época é a trivialização desse conceito. O uso chistoso da expressão “meu amigo” para dirigir-se a pessoas com as quais não se sente nenhum vínculo pessoal ou que mal conhece, muitas vezes camuflando interesse instrumental sobre a outra pessoa, contribui para esta confusão e desgaste do conceito de amizade.
A verdade é que a amizade é sustentada por um sentimento espontâneo e desinteressado (consumatório) que funda um vínculo relacional entre dois seres humanos “bons” dispostos a dar o melhor de si para o outro e trocar impressões sobre como vê, sente e pensa a vida.
Podemos afirmar que a amizade demanda, sobretudo, sabedoria entre as pessoas. Sabedoria e não conhecimento, porque, se a amizade demandasse só conhecimento, as escolas e universidades seriam solos férteis para fazer amigos. E não são. A universidade contemporânea não é o espaço de sabedoria, nem do humor, nem da autenticidade, nem do amor, nem da felicidade. Ela é apenas um espaço de produção e transmissão de conhecimentos; nesse processo de produção as pessoas são mais ou menos obrigadas a se relacionarem funcional e profissionalmente. O relacionamento é acadêmico ou político-acadêmico. Como já dissemos no artigo anterior, as relações que ocorrem nas instituições e empresas são marcadas pela dessimetria dos cargos e funções, mas, eventualmente, é possível ocorrer uma ou outra relação que promete vir-a-ser amizade.

O exercício da amizade
Embora vivemos numa época em que é muito mais fácil estabelecer vínculos afetivos, existem pessoas que não suportam manter as amizades por muito tempo. Há aquelas que vivem se auto-enganando ter muitos amigos com colegas, funcionários, orientandos e alunos, e, na verdade, são relações sustentadas por contratos de trabalho formal ou informal. Existem professores ingênuos e carentes que alucinam nos alunos, amigos. Nestes casos, o aluno sabe mais sobre a relação do que o professor. Pela natureza do encontro e a qualidade da situação de trabalho, parece que os orientadores de pesquisas têm mais chances de fazer do orientando um amigo, mas há que sempre considerar entre ambos o formalismo do contrato que sustenta a assimetria dessa relação.
Em termos lacanianos, onde existe o “discurso universitário” não pode existir uma verdadeira amizade. Como o professor está preso ao saber instituído, ao paradigma, que é um saber com referência à tradição do que é ensinado pelos “mestres”, pelos “grandes autores”, ele tende a reproduzir respostas padronizadas, quase mecânicas, usadas para escapar da escuta e do conhecimento do outro tomado como pessoa autêntica. Algo parecido também pode acontecer na posição do capitalista, do cientista, do médico, do religioso, do militante político: todos eles são impedidos pela sua condição de fazer autênticas amizades.

Promessa e traição da amizade coletiva
Herdeiro da revolução francesa, o ideário socialista prometia à humanidade uma amizade em forma de fraternidade ou de solidariedade. Todos seriam amigos de todos porque todos viviam sob o princípio da igualdade. Nós, que sonhávamos tanto com a revolução, sob a paranóia da ditadura militar, no Brasil, tínhamos certeza de que a grande amizade entre as pessoas e entre os povos já havia sido instaurada na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) – seria a maravilhosa união das repúblicas! Afinal, eles tinham conseguido libertar-se da “barbárie” capitalista e estavam no caminho de realizar o paraíso proletário na terra.
Com o tempo, fomos colhendo frustrações sobre o “socialismo real” desse e de outros países que teriam conseguido difundir um clima paranóico em que todos vigiariam todos em nome da suposta causa da igualdade proletária. A burocracia socialista soviética, por exemplo, promoveu delatores, separou amigos e fundou uma falsa fraternidade, que, na vida cotidiana, gerou mais inimigos do que pretendia a intenção da teoria considerada “científica”.
Embora não se compare a paranóia desencadeada pelo totalitarismo de direita e de esquerda com os problemas normais da democracia pluralista (ver filme “Adeus, Lênin”), é a liberdade que faz as pessoas aproximarem umas das outras e com confiança. Se o totalitarismo produz desconfianças e inimizades, a democracia “burguesa” tende a levar um considerável número de pessoas a viverem sozinhas em suas casas e apartamentos, por insegurança, ou porque o outro está mais ocupado em “mais-ter” do que “ser”. A indústria e o comércio se aproveitam dessa condição de existência individualista para sustentar a vida solitária das pessoas levando sua solidão, sustentando a indústria dos congelados, da entrega das pizzas a domicílio, dos vídeos, os brinquedos que aliviam a carência sexual, os sites para encontros virtuais, os serviços telefônicos “disk amizade”, etc.
A sensação de violência das cidades do nosso planeta tem contribuído muito para aumentar o sentimento de solidão e a descrença na amizade. H. Arendt, no pós-2ª guerra, havia previsto o aumento da distância social e da desumanização. Não a desumanização efeito do totalitarismo, do capitalismo ou do terrorismo, mas outra, que atravessa invisível no nosso cotidiano banal e cujo sintoma nada investe para preservarmos as poucas amizades que restam. A antiga “presteza em partilhar o mundo com os nossos amigos” é deslocada para viver de “pseudo-amigos”, ou seja, com um animalzinho de estimação ou relações humanas de faz-de-conta, são tentativas não conscientes de fazer um mundo com algum sentido para nele viver.
Como existe muita gente no mundo, e como as relações humanas parecem abundantes em quantidade de encontros casuais e de bens de consumo, as pessoas hoje têm a sensação de auto-suficiência, do tipo “eu não preciso dela para viver”. No entanto, as possibilidades de relações humanas, necessariamente, não se transformam em qualidade efetiva ou relações de amizade verdadeira, como prevê a dialética. O espírito humano contemporâneo tornado “líquido” leva-o a conceber a amizade como mais uma relação instrumental, só para ser usada, consumida, e logo descartada.
Infelizmente, a amizade morreu como ocupação principal das pessoas em franca busca pela sabedoria e felicidade. Hoje, estamos tão vinculados às instituições e às suas obrigações burocráticas impostas pela “qualidade total” das empresas ou pelo “qualis” universitário
; estamos tão presos a uma ética do lucro e distantes de uma ética da solidariedade, que nos faz cegos para o valor da amizade e da busca da sabedoria.
É verdade que ainda existem amizades que se sustentam em termos consumatórios, apesar da ambiência social negativa e do pseudo argumento de falta de tempo ou de condições concretas para verdadeiros encontros. O esvaziamento da amizade consumatória parece estar fazendo surgir um outro tipo de relação mediada por interesse de luta por uma causa comum, ou contra um inimigo comum, ou de união para celebrar um acontecimento solidário, ou para fazer de conta que, nesse mundo sem coração (Lash, 1991), só existir amizade mediada por uma causa do bem. Ou seja, temos que nos contentar com uma “quase-amizade”, um arremedo de amizade, com aqueles que vivem sob o mesmo guarda-chuva do trabalho, ou que empreendem conosco um projeto de estudo, ou para jogar bola num clube, ou participar de uma ONG, de um partido político, ou se ligar aos irmãos de uma fé “x” ou igreja “y”, porque devemos fazer o que estiver ao nosso alcance para evitar que as pessoas fiquem cada vez mais individualistas e o mundo cada vez mais sombrio e sem coração.


Por RAYMUNDO DE ÇIMA
(Psicanalista e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

A amizade em tempos sombrios (I)
(Atenção: companheiros, camaradas, colegas e amigos!)

A amizade está em declínio e a solidão está em ascensão. Qualquer um pode constatar isso no mundo contemporâneo. Os laços humanos tornam-se cada vez mais frágeis e efêmeros porque vivemos numa época em que tudo se “liquefaz”, usando a imagem de Z. Bauman. Hoje, antes mesmo que uma amizade se solidifique, ela está condenada a se evaporar frustrando a intenção sincera dos pretensos amigos. O amor também facilmente se evapora. Aliás, a própria vida escorre, rapidamente, sem que possamos aproveitá-la intensamente como parecia acontecer com os antigos.
Vivemos a época das grandes manifestações de massa, das grandes multidões que acorrem aos estádios para assistir ao futebol, ao culto religioso, à banda de rock, ao partido político ou ao carisma de um falso ídolo, mas nunca nos sentimos tão só e sem vínculos autênticos de amizade.
Nos dias de hoje já não importa ter amizades autênticas, mas relacionamentos úteis. O outro é avaliado para ser nosso amigo instrumental, em função de interesses mesquinhos. Importa menos um encontro consumatório, para conversar-por-conversar, do que estar conectado na rede, para trocar e-mails, participar de um chat, ser incluído num grupo do orkut, ou simplesmente jogar, jogar e jogar em rede com os “amigos virtuais”. A conexão da Internet ou do celular promete um especial mais-gozar do que estar “ao vivo” com o outro.
Cresce o número de gente que se sente intoxicada de gente, daí cada um inventa uma fuga: um relacionamento de faz-de-conta, contatos apenas virtuais, arrumar um bichinho de estimação, viver em algum lugar solitário. J. D. Salinger, o autor de “O apanhador no campo de centeio”, numa rara e resistente entrevista em 2004, preferiu viver solitário nas montanhas. Sua halitose, seu jeito de ser e o sucesso do livro contribuíram para reforçar sua tendência anti social.
A atitude avessa às pessoas não é adotada apenas por escritores e cientistas; costuma fazer parte de pessoas que vivem o cotidiano acadêmico, não obstante o imperativo de eles terem que conviver com alunos e colegas. “Seria bom trabalhar numa universidade que não tivesse alunos”, diz um pesquisador que odeia ensinar. Outro me confidenciou que não acreditava mais na amizade; outro, diz que somente se interessa conversar com os de “seu nível”. Há aqueles que substituem os amigos pelos “irmãos em Marx”, ou “irmãozinhos da psicanálise segundo Lacan”. Um erudito tentou me convencer de que com a fragmentação irreversível de nossa época resta cada um ficar na sua, em casa, e “conversar” com Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomas de Aquino, apenas com gente que abre o caminho da sabedoria e da ascese. Segundo esse erudito “é mais proveitoso conversar com meus amigos, pensadores, do que com especialistas de nossa época”.
Hoje é fácil descartar amizades potenciais. A falta de disponibilidade para a amizade verdadeira é tamanha que torna-se visível a resistência para continuar uma conversa que mal teve um início. Não raro, as poucas amizades que ousam ultrapassar a barreira do estereótipo precisam vencer as contingências que concorrem para descartá-las, ou podem simplesmente serem toleradas por interesses profissionais, institucionais, políticos, acadêmicos, comunitários, ou mesmo familiares. Entretanto, segundo Alberoni (1993), essas indicações, acima, nada têm a ver com o conceito de amizade.
Militantes não são amigos, o que existe entre eles é a lealdade na “causa” revolucionária. Alguém disse que – especialmente em período de crise política, ou de CPIs – a política não só separa amigos de inimigos, separa também amigos de amigos e, pior, tende a juntar inimigos conforme interesses de momento. (Dissidentes do PT, hoje, parecem “amigos” da direita, contra o governo Lula).
Onde as relações são instrumentais não existe verdadeira amizade. As amizades se sustentam apenas onde as relações são consumatórias. Na amizade – e no amor, também – sobressai o impulso natural e o sentido consumatório da relação de querer estar com outro, e basta! Embora a amizade e o amor tenham os seus próprios e camuflados interesses egoístas, a finalidade de ambos é a sustentação do vínculo entre as pessoas que se quer bem.
Entretanto, a pseudo amizade dos militantes de uma causa política, religiosa, ou cultural, tem uma finalidade meramente instrumental, porque o outro só existe como “objeto” de uso para conseguir êxito numa causa abstrata ou concreta. (Epicuro, na antiguidade grega, teria sido pioneiro ao observar que a amizade nada tem a ver com o vínculo político ou religioso. Mas pode ser condição para a construção da subjetividade desalienada e uma personalidade preparada para enfrentar as falsas opiniões e as tiranias do mundo).
Existe uma equivalência no tratamento entre “camaradas”, “companheiros” da esquerda política e “irmãos de fé”.
Os gregos antigos são fonte de inspiração sobre a amizade:
Para Epicuro (341-270 a.C) “embora não altere o sofrimento nem possa evitar a morte, [a amizade ou philia] ajuda a suportá-la (...).
Sócrates (469-399 a.C.) também não se cansava de dizer que o maior bem que tinha na vida eram os amigos. Entretanto, sua ferina ironia, teria angariado para si muitos inimigos, dentre eles os sofistas. Uma de suas preocupações, como filósofo, era ensinar aos discípulos como fazer e como manter amizade, dado que existem pessoas que facilmente iniciam uma, mas não sabem como mantê-la. Platão, seu principal discípulo, herdou do mestre sua dedicação para com esse assunto, fazendo vários diálogos elogiando a amizade.
Mas coube a Aristóteles elevar a amizade à categoria de virtude, que como tal é uma coisa absolutamente necessária para a vida – mais exatamente, para viver a vida com sentido de felicidade (gr.: eudaimonia). “Ainda que possuísse todos os bens materiais, um homem sem amigos não pode se feliz”, diz.
Homem do nosso tempo, o sociólogo italiano Alberoni (op.cit.), observa com propriedade que amizade só é possível entre “iguais ou entre aqueles que vivem a mesma condição humana. Portanto, é praticamente impossível existir amizade entre patrão e empregado, entre professor e aluno, entre médico e paciente, entre psicanalista e analisando, entre líder e liderados, entre sargento e soldado, entre uma autoridade e os seus subalternos, etc, porque sendo relações dessimétricas é natural que exista entre tais pessoas, respeito, veneração, temor reverencial, adulação, puxa saquismo, mas não amizade genuína. Para que alguma dessas relações vire uma amizade verdadeira há que ser superada tal dessimetria, além delas passarem por provas impostas pelas circunstâncias da própria vida.
Malebranche lembrou que as atitudes de adulação nada têm a ver com a amizade. O aluno que adula o professor, longe de promover a relação, reforça o narcisismo que todo professor não revela, mas se alimenta dele para exercer bem o seu ofício. A experiência mostra que o aluno adulador tem outros interesses facilmente adivinhados. Os discípulos que seguem a orientação de um “grande mestre” vão além da adulação quando almejam levar suas idéias para o ato, mas não fundam uma verdadeira amizade. Parece que o enamoramento e a amizade são de naturezas diferentes, embora existam muitos pontos de semelhança entre ambos, tais como: confiança, desejo de estar junto, agradar o outro, trocar pontos de vista, etc.
É mais sábio e gratificante para todo o ser humano ser levado por esse “impulso natural” que é a amizade do que ser movido por interesses supostamente elevados, onde o outro é reduzido a um mero objeto-instrumento de uma causa. Foi publicada uma pesquisa em 2005 sobre a relação entre amizade e saúde; além de ela dar sentido existencial as pessoas ela proporciona saúde física e bem estar as pessoas envolvidas nesse vínculo afetivo.
Finalizo com uma observação do escritor José Carlos Leal: “Desconfie de uma pessoa que chama a todos de amigos. Porque, se ele chama a todos de amigos, provavelmente não se sente amigo de todos”.
Por RAYMUNDO DE LIMA
(Psicanalista e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo)

AMIZADE por filósofos:

"Dois amigos são uma mesma alma vivendo em dois corpos".
Aristóteles, 384-322 a.C

"O inferno está todo na palavra solidão".
Victor Hugo, 1802-1885, escritor francês

"A amizade redobra as alegrias e corta os males em metades".
F. Bacon, 1561-1626, filósofo e político inglês

"Sem amizade, uma multidão é só companhia, as caras não são mais do que uma galeria de retratos, e a conversa um simples tinido de címbalos".
Francis Bacon, 1561-1626, filósofo e político inglês

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O QUE É UM AMIGO?!


É uma pessoa com quem nos atrevemos a ser o que somos verdadeiramente. Nossa alma pode se mostrar sem máscaras a ele. Um amigo é aquele que nos pede que nada simulemos e sejamos simplesmente o que somos. Ele não nos deseja nem melhor nem pior do que somos. Sentimos diante dele o que deve sentir o prisioneiro que acaba de ser reconhecido inocente. É desnecessário, com ele, estar precavido. Podemos dizer tudo quanto pensamos, exprimir todos os nossos sentimentos. Nada o surpreende, nada ofende, enquanto formos o que na verdade somos. Um amigo compreende as contradições de nossa natureza, que fazem com que os outros nos julguem mal. Com ele, respiramos livremente. Podemos nos pôr à vontade, retirar nosso casaco e desabotoar nosso colarinho, confessar nossas pequeninas vaidades, nossas invejas, nosso ódio e nosso ímpeto de má intenção, nossa mesquinhez e nossa práticas absurdas. A medida que nos abrimos com ele, tudo isso se perde, se funde no oceano da lealdade.

Frank Hall Crane